A humildade e o artista
O artista é aquele que canta, dança, representa, programa, pinta, escreve, esculpe, vive mentirinhas…
É aquele que se apresenta e que se expõe.
Que estoura bolhas no pé, caleja as mãos, perde a visão e que mesmo assim ajoelha-se.
É aquele que esmigalha seu ego, suas ideias, seus costumes e esvazia-se a fim de dar espaço à seu trabalho.
É implacável em sua auto-exigência.
Deixa de dar valor ao indivíduo para enaltecer o grupo. Mesmo que esteja lutando por sua opinião. Isso não é ego. É acreditar.
Abre mão de sua vaidade que nem sabia que tinha. Antes achava que tudo não passava de parte do seu ser.
O artista revira-se, entrega seu feito de bandeja, recebe de aplausos a tomates na cara e, independente do resultado, agradece sorrindo.
Humildade.
Não porque pretende, mas porque torna-se assim para realizar seu trabalho, que exige isso.
Mais uma vez é preciso mergulhar bem profundamente para não se confundir com as superficialidades.
Dizer apenas sim não é ser humilde.
Deixar explorar também não.
Ser bonzinho e simpático menos ainda.
E também não significa que trabalha bem sua arte.
Pode ser, mas um não está diretamente ligado aos outros.
Fazer questão do posto, do seu reconhecimento, do seu lugar devido à sua história, fazer questão do seu pagamento justo, de um bom ambiente de trabalho e de sua dignidade não são sinais de falta de humildade.
Por muitas vezes presenciei um artista tendo sua humildade questionada por ter que exigir um direito que, na minha opinião, ele nem deveria se preocupar com isso.
Vejam um grande problema do sistema: quando não é dado ao artista o que lhe é de direito, o seu dever é exigir o que não foi dado em respeito ao seu trabalho e dedicação. Mas quando reclama seus direitos é, muitas vezes, acusado de não ser humilde.
Vejam que da mesma forma que não foi tratado com respeito da primeira vez, já que teve que reclamar pelo que era seu de direito, ainda é colocado nesse lugar de falta de falta de humildade.
O que acontece depois é que, preocupado em realmente não ser humilde, sede à pressão e se deixa desrespeitar ou explorar.
Já presenciou tal circunstância?
Eu já. Muitas vezes.
Nesse aspecto não quero contar de mim. É doído. Não quero dizer nada a respeito.
Digo apenas o que no final das contas aprendi.
Aprendi a apreciar um bom trabalho.
Aprendi que a pessoa detentora de um bom trabalho não precisa ser legal comigo para eu admirá-la. Se quiser amigos, procuro em outro lugar.
E aprendi muito sobre respeito vendo bailarinas que admiro serem desmoralizadas, às vezes perante o público, e mesmo assim mantiveram-se firmes em suas decisões. Uma delas finalizou seu show ainda no início por não ter sua posição respeitada. Ela foi muito criticada, mas vi nisso um exemplo de auto-respeito e também de um evento mal organizado.
Aprendi que se não tiver consciência serei manipulada muito facilmente.
Aprendi a dizer sim e não. E principalmente a arcar com minhas decisões.
Aprendi que vale mais ter um trabalho pequeno e honesto do que sujeitar-me.
Na verdade optei por isso. Outras pessoas podem optar por outras coisas e não tenho nada com isso.
Aprendi que pessoas vão me dar mais valor e outras menos valor do que o que eu tenho. E que não posso pensar nisso. Eu é que tenho que ter consciência do meu valor. O que os outros vão fazer com isso foge ao meu controle.
Então descobri que temos muitos equívocos com relação à humildade.
Há quem a relacione até com condição financeira ou com hábitos.
Seria muito fácil se apenas precisássemos de fatores superficiais para descobrirmos quem é humilde e quem não. Mas infelizmente temos que ser mais sagazes…
A chiliquenta pode estar exigindo um direito básico e a boazinha e simpática… bom, como uma boa artista, ela pode estar apenas representando…
Nesrine Bellydance]]>