Olá, pessoal!
Esse texto é uma reflexão sobre uma frase que vem aparecendo nos bastidores e nas plateias da nossa dança do ventre: a maioria das bailarinas dança de maneira igual.
Então vamos aos fatos.
Digamos que seja verdade: sim, todas as dançarinas andam dançando iguais. Quais seriam os problemas?
O de que as apresentações tornam-se cansativas?
O de que o espectador quer novidades a toda hora e a bailarina não tem para lhe dar?
O de que caracteriza-se falta de autenticidade?
Ou o de que nos tornamos menos comerciais?
Acho muito importante levantarmos essas questões porque tenho a sensação de que existem muitos aspectos positivos, mas muitos negativos por trás desse tipo de comentário também…
Primeiro que se estamos falando em dança do ventre, é bem aceitável que as apresentações sejam parecidas. Usamos as mesmas referências.Todas fazemos básico egípcios, tremidos, oitos… Nesse aspecto é claro que será parecido!
Há quem espere movimentos de impacto e coisas mirabolantes, mas sabemos que isso é uma questão de escolha. Não é essencial. Então não nos obrigue a ficar inventando coisas apenas para dizer que somos diferentes.
Uma dança honesta não precisa de firulas…
Então, danças parecidas podem muito bem serem danças ótimas.
Aí você pode lembrar-se das grandes bailarinas, as que são referências mundiais, que têm um jeito de dançar todo próprio e muito discrepante das outras. Sim, elas existem! Mas são parte de uma minoria bem restrita.
São aquelas bailarinas geniais e incríveis que costumam até servir de inspiração para gerações inteiras. Ah que maravilha!
Mas estão longe de ser a regra. E claro que não desqualificam aquelas outras bailarinas que também possuem sua genialidade.
Cá para nós, um dia elas também dançaram como as outras. Todas temos que aprender de alguma forma e ninguém nos ensina já nos dizendo o caminho das pedras. Cada bailarina é que encontra o seu.
Então usar uma mínima porcentagem como padrão de exigência para ficar pressionando as outras bailarinas, no meu ver, não pode ser algo sensato.
Algumas bailarinas possuem diferenças mais evidentes e outras mais sutis. E isso depende de um caminho inteiro de dança… Exigir que todas elas sejam completamente diferentes, além de ser uma rigidez descabida é também uma maneira de padronizá-las.
Ninguém está falando de “nivelar por baixo”. Tenho vinte anos de dedicação por essa dança. Nunca economizei esforços. Nunca me deixei acomodar. Posso dizer isso sem o menor medo de ser mal interpretada. Sem o menor medo de acharem que quero proteger as pessoas que não se dedicam e querem se dar bem.
Não. Estou falando das pessoas que levam a sério.
Elas não merecem ficar sendo comparadas e com isso pressionadas.
Simplesmente porque estão fazendo o seu trabalho digna e arduamente.
O caminho não é fácil.
Talvez se essas pessoas já tivessem passado por isso conheceriam esse lado.
Sou a favor da busca por sua identidade na dança, mas sem essa pressão de ser diferente. Talvez a identidade da bailarina esteja nas pequeninices… nas sutilezas…
Outra aspecto é o de que ninguém consegue dançar igual a outra pessoa.
E olha que muita gente tenta!
Quando tenta-se copiar um movimento, por mais que treinamos arduamente fazê-lo de uma maneira bem específica, ele é incorporado e processado dentro do nosso corpo que acaba o reproduzindo à sua forma.
É possível dançar parecido, mas nunca igual.
Talvez se essas pessoas já tivessem se sujeitado à dançar saberiam disso. Ou talvez não tenham sensibilidade para enxergar tal sutileza.
Mas digamos que a bailarina gostaria de dançar de uma maneira bem diferente das outras e quisesse ir em busca disso.
Essa frase em questão me faz pensar se essas pessoas que a dizem acham que é fácil alcançá-la. Tenho a impressão de elas acham que é preciso apenas a bailarina matricular-se nos workshops de movimentos impactantes, ou sequências criativas, ou 1001 deslocamento mirabolantes para enriquecer sua dança ou sei lá o que, treinar em casa e pronto! Lá está nossa bailarina diferente!
Ou pior, acham que é preciso apenas alguém ficar falando isso “na orelha dela” para ela que ela mude.
Infelizmente não é bem assim… talvez se essa pessoa conhecesse mais sobre aprender a dançar…
Aprender um novo movimento qualquer, mesmo que com um treinamento técnico intenso, não é apropriar-se dele (o que dirá se for aprendido num fugaz work…).
Apropriar-se de um movimento às vezes requer tempo. Amadurecimento. E muitos outros aspectos. Procure uma boa professora que ela lhe ensinará tais questões.
Se para incorporarmos um único movimento podemos demorar meses, imagine para mudarmos nossa dança… Pode levar muito tempo…
E não porque a bailarina é lenta.
É simplesmente porque é assim.
A dança é um movimento que vai muito além de passos técnicos.
Às vezes é preciso mudanças dentro de nós.
E não estou querendo levar a dança para o lado da terapia…. às vezes essas mudanças são arrasadoras.
Já ouviu dizer que muitos atletas não têm saúde?
Praticar esporte pode ser saudável, mas talvez não para um atleta.
Não pensem que profissionalizar-se como dançarina do ventre lhe trará equilíbrio e bem estar. Pode não ser verdade.
Alunas que buscam essa dança com esse objetivo podem o tê-lo sim. Mas não necessariamente para as profissionais.
Outra curiosidade que pessoas despreparadas podem não saber é que quando uma dança está em transformação ela pode perder a forma. É como se acontecesse uma desconstrução para que a nova dança possa encontrar espaço para renovar-se, numa explicação bem simplificada.
Isso quer dizer que se a dança de uma bailarina não estiver no seu melhor momento, isso pode significar uma bela surpresa no futuro.
Um momento que pode servir de alvo de criticas de pessoas despreparadas, pode ser fundamental para o crescimento da bailarina.
E poderia ficar aqui dizendo mil motivos para nós bailarinas de verdade não nos preocuparmos com essa frase.
Se ela vem de um profissional sensato e DA DANÇA (e digo mais: que dança!), podemos levá-la em conta e avaliarmos SE queremos fazer alguma coisa sobre isso ou não.
Mas você que já ouviu essa frase, alguma vez a ouviu de um profissional como esse?
Se ela vier de outras pessoas, podemos levar em conta ou não, mas sempre tomando cuidado para não sermos alvo do gosto do público (cada um tem seu gosto) ou de manobras comerciais, já que bailarinas com muitos diferenciais são mais vendáveis.
O público tem todo o direito de não gostar da sua dança, achar igual, isso e aquilo. Público tem opinião pessoal, não técnica. Assim como temos o direito de escolhermos depender da opinião da maioria das pessoas ou não.
Até porque a atitude de tentar a todo tempo mudar sua dança para poder agradar a todos não é bem uma atitude que podemos chamar de autêntica, né?!
É por isso que temos que desenvolver nosso senso crítico na dança.
Bailarinas sem senso crítico viram “massa de manobra” assim como todo cidadão que é enganado pela política, nem sabe e não entende porque não se sente feliz.
Lembre-se, estamos numa cultura capitalista.
É preciso distinguirmos as criticas sensatas das convenientes.
Tento dedicadamente fazer a minha parte, porque pra cima de mim, não!
Nesrine B.
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